POEIRA, LAMA, FUMAÇA E ESCURIDÃO
“Poeira, lama, fumaça e escuridão”. Teriam estas palavras sido extraídas de livro de Apocalipse? Não, estamos nos referindo à Rolândia dos anos 40, 50 e 60. Quem anda pelas amplas e arborizadas avenidas de nossa cidade e desconhece nossa história não tem a menor ideia de como era Rolândia a 50 ou 60 anos atrás. Famosa por sua fertilidade, a terra vermelha do norte do Paraná, atraiu imigrantes de todo Brasil e de diversas partes de mundo. O povoamento de Rolândia começou pela zona rural por volta de 1932, sendo feito predominantemente por paulistas, mineiros, nordestinos e imigrantes (italianos, portugueses, espanhóis, japoneses, alemães, ucranianos, poloneses e libaneses). Estes desbravadores, em um primeiro momento, compravam um lote no meio da mata e depois vinham desmatando suas terras,construindo precários barracos de palmitos e, mais tarde, residências definitivas, com a própria madeira que haviam derrubado e formando suas lavouras. As pessoas menos favorecidas continuavam morando nos ranchos improvisados feitos de lascas de palmito, chão batido e coberta com tabuinha ou folhas de palmitos, colocadas de forma a evitar goteiras de chuva. O desmatamento da região se deu de forma tão acelerada que em um período relativamente curto nossa geração pode testemunhar a transformação da densa mata atlântica em prósperas cidades rodeadas por incontáveis propriedades agrícolas. Nos locais ainda não desmatados era possível encontrar onças, cobras, macacos, pacas, tatus, tamanduás, cervos, catetos, capivaras, quatis, queixadas, antas, macucos, nambus, papagaios, araras, periquitos, jaburus, arapongas, jacus, etc. Nesta época, em função da proximidade da mata eram comuns picadas de insetos peçonhentos e cobras. Assim, em meados de 1934, começaram a ser erguidas as primeiras edificações urbanas. A primeira porção a ser aberta, com machados,foices e enxadões foi na Avenida Presidente Vargas, (Hotel Rolândia, Hotel Estrela e padaria do Max Dietz). Rolândia começo de fato por ali. Na cidade predominavam as casas de madeira, sem pintura, com tábuas serradas manualmente, construídas em uma clareira, ou seja, em um local em que se derrubavam árvores e construíam as casas, tendo como limite, uma parede de árvores altas. Nesta época, caminhões traziam as mudanças dos imigrantes. O principal fluxo de imigrantes era constituído, além dos caboclos desmatadores, de pessoas que trabalhavam na lavoura (peões, empreiteiros, sitiantes e colonos). Os peões em geral chegavam em caminhões conhecidos como “pau de arara”. Mas havia também os compradores de terras (jacus) corretores de imóveis (picaretas), carroceiros, lenhadores, caminhoneiros, profissionais liberais e comerciantes de diferentes ramos de atividade, que permitiram que os rolandenses fossem progressivamente diminuindo a dependência das compras em Cambé ( Nova Dantizg) e Londrina. Uma atividade que cresceu nos primeiros anos foi o ramo de serraria. Pois o desmatamento intenso e o processo de construção de casas utilizando madeira, fez com que Rolândia chegasse a ter várias serrarias. O enorme fluxo de pessoas que vieram atraídas pelas terras férteis e com preços baixos fez a população do norte do Paraná se elevar de 720 mil para 3,5 milhões de habitantes entre 1940 e 1970. Com base no recenseamento de 1940 para o município de Londrina (que incluía: Rolândia, Marilândia do Sul, Cambé, Tamarana, e Faxinal) verificamos que mais da metade da população (75.296 habitantes) tinha menos de 20 anos: 33,6 % abaixo de 10 anos e 23,06 % entre 10 e 19 anos. Nesta época a maioria absoluta destes jovens e crianças estava trabalhando e uma parcela muito pequena frequentava a escola. A participação de crianças era importante nas atividades agrícolas. Por exemplo, uma criança de cinco anos já poderia ajudar a levar água e refeições para os que estavam trabalhando na roça. Os adultos entre 20 e 39 anos representavam 29,52% da população e a principal força de trabalho. Como a expectativa de vida da época era relativamente baixa, em torno de 45 a 50 anos, os que tinham 40 anos ou mais (13,82%) já eram considerados “velhos”, estando assim distribuídos: 40-49 anos (7,44%), 50-59 anos (3,88%); 60-69 anos (1,71%); 70-79 anos (0,56%) e 80-89 anos (0,22%). Na faixa etária, entre 30-59 anos, havia 10.316 homens e 6.448 mulheres. A maior população masculina seria decorrente do fato de que nesta época, em geral, apenas o homem saia de casa para viver sozinho e mesmo os casados poderiam vir antes da família, planejando trazê-las após obter condições mais apropriadas. Além de ser predominantemente jovem, as famílias que vinham “tentar a vida” eram relativamente númerosas. Por exemplo, meus pais tiveram tiveram 6 filhos e meus avós maternos 7 filhos. A população era predominantemente branca (85%) havendo ainda: pardos (7%), amarelos (5%) e negros (2%). Quanto à religião a maioria era católica (87,3%), seguida de evangélicos (6,2%), budistas (2,9%), espíritas (0,9%), católicos ortodoxos (0,7%), outras religiões (1,7%) e sem religião (0,16%). Com o rápido desenvolvimento do Norte do Paraná, não havia como atender a demanda por energia elétrica e o governo estadual tinha poucos recursos para esse fim. Diante disso, a população ficava sempre às escuras. Os geradores viviam pegando fogo e espirrando óleo, logo foram apelidados de “vulcões”. Mesmo com a chegada da Copel (1956), inicialmente pouca coisa mudou e, volta e meia, alguém incendiava um poste para mostrar seu descontentamento. Na falta de energia elétrica a iluminação era feita com velas, lamparinas ou lampiões a querosene. Alguns mais afortunados possuíam geradores (motor Diesel) ligados ao anoitecer e mantidos até as 22:00 horas. Em estabelecimentos como hospitais, a presença de um gerador era imprescindível. A única opção aos geradores, eram as companhias privadas de eletrificação que via de regra, ofereciam serviços ruins e caros. Nesta época, o povo chamava os postes de madeira de “palitinhos” e as lâmpadas de “tomates”, pois estas apenas ficavam vermelhas, iluminando muito pouco. A cidade só começou a se livrar dos geradores em 1958. Outro problema era a falta de higiene: lixo nas ruas, transporte de alimentos em carroças, abatimento de animais na beira do córrego eram fatores que contribuíam para a elevada ocorrência de infecções. Nesta época, a febre amarela silvestre, malária, febre tifóide, gastrenterites e disenteria eram comuns. Em relação às crianças, as principais- 6 - causas de morte, além da disenteria era o chamado “mal dos sete dias”, uma forma de tétano no recém nascido, provavelmente causado por partos sem assepsia. As instalações sanitárias eram casinhas de madeira sobre fossas comuns, no fundo do quintal e que tinha apenas um buraco coberto por um assento de madeira. Nesta época, embora existissem regras bem definidas para a distância entre o poço e a fossa era comum a contaminação da água do poço pela água da fossa. Tomava-se banho em uma bacia metálica usando água retirada com auxílio de um balde de um poço com mais de 20 metros de profundidade. Porém, no inverno era preciso esquentar a água no fogão a lenha antes de usa-la no banho. Para escavar os poços havia o “furador de poço”( poçeiro). Estes profissionais também eram frequentemente chamados para “cavar mais fundo”, porque com o desmatamento acelerado, os lençóis freáticos diminuíam e a água do poço desaparecia. O café era torrado no quintal da casa no torrefador, que consistia de uma “bola de metal” que era colocada no fogo, apoiada em um dispositivo que permitia girá-lo manualmente. Este processo era bastante cansativo, demorado e extremamente desconfortável, principalmente quando realizado em dias quentes. Mas a falta de energia elétrica, a falta de higiene, a falta de um sistema de saneamento básico não eram os únicos problemas. Pois a mesma terra vermelha que por sua fertilidade gerava riquezas também gerava um pó finíssimo, altamente penetrante e que ficava suspenso no ar por tempo indefinido. O relato de John dos Passos, viajante inglês, ao descrever Rolândia, em 1954, nos dá uma idéia do problema: “Na cidade, a poeira era insuportável, mas nos arredores era de sufocar. Os lenços com que tentávamos enxugar os rostos suarentos ficavam manchados de vermelho. O nosso guia notou que nós estávamos sentindo sufocados e disse à guisa de consolação que não nos devíamos preocupar com a poeira. Um médico dali, muito bom por sinal, havia descoberto que a poeira de Rolândia, estava impregnada de terramicina. A poeira curava qualquer infecção”. (Fonte: "O Brasil Desperta", tradução: Pinheiro de Lemos, Record, RJ, 1964). Naquela época, quando se andava a pé e passava um carro, era preciso fechar os olhos e esperar até diminuir aquela poeira fininha que irritava os olhos. Mas, ainda era melhor do que quando chovia e os carros podiam jogar água e lama. Por esta razão era comum a expressão: “é poeira pra todo lado”, uma poeira que ficava impregnada, entranhada na pele, na roupa e na alma. Menos ao assoar o nariz, quando saia pelas narinas uma pelota de barro vermelha. A poeira ficava no ar por tanto tempo que servia de referência aos pilotos sinalizando a localização dos aeroportos. Pois a poeira levantada pelas hélices dos aviões (chamados de teco-teco) poderiam sinalizar aeroportos a uma distância de 50 km. Neste tempo, o “caminhão pipa” da prefeitura lançava água nas ruas para reduzir aquela poeira fininha e vermelha que ia penetrando em tudo: nas casas, na roupa, na pele e dando a tudo, inclusive às pessoas um aspecto avermelhado, razão pela qual fomos apelidados pelos habitantes de outras regiões do Brasil de “pés vermelhos”. Mesmo quem não tenha vivido em Rolândia nesta época pode imaginar o grande desafio que era manter a limpeza da casa e das roupas. O excesso de poeira conferia à cidade um aspecto avermelhado e sujo que só começou a ser amenizado com o calçamento. A primeira quadra calçada em paralepípedos foi iniciada na de´cada de 40, na Av. Expedicionários, enquanto o asfaltamento da cidade se iniciou na década de 50. Mas nem tudo era poeira. O calor produzia suor que atraia insetos (borrachudos, mosquitos e pernilongos); e em períodos de seca a fumaça das queimadas (método utilizado visando limpar a terra para o plantio) se intensificava gerando muita poluição. Quando não tinha pó tinha lama. Durante as chuvas as ruas se transformavam em inacreditáveis atoleiros. Segundo o relato de pioneiros durante as chuvas a Avenida Expedicionários se transformava em um córrego. Dai uma frase popular desta época: “Rolândia: cidade de fama. Quando não é poeira é lama”. Devido a presença da mata fechada, a cidade tinha um clima muito mais úmido que o atual e as chuvas eram muito mais frequentes do que hoje. Naqueles tempos, um importante acessório era o raspador de barro (conhecido como “chora paulista”), instalado na entrada das casas e lugares públicos. Havia vários modelos. Na entrada da residência dos meus pais o raspador de barro era feito com uma enxada, fixado no chão, com a porção cortante virada para cima. Além de limpar os sapatos e botas, o raspador de barros aliviava o peso nos pés. Pois a medida que o barro ia secando formava uma crosta espessa e pesada onde se fixava o barro ainda mole. Ao mesmo tempo em que era altamente aderente o barro era extremamente escorregadio. Por esta razão, eram comuns nos dias de chuva, os tombos na lama, em especial quando se tentava atravessar terrenos um pouco mais inclinados. O barro e a chuva criaram as expressões:amassando barro (caminhando na lama); foram muitos dias de lama (choveu por muitos dias); limpe os pés antes de entrar (usar o raspador de barro antes de entrar em casa), tirou o pé da lama (ficou rico), ficou atolado na lama (literalmente: ficou atolado na lama). Em dias de chuva, mesmo de bicicleta era muito difícil se deslocar, porque a lama ia se acumulando no pneu e a partir de um dado momento só havia duas opções: ir “empurrando a bicicleta ou levá-la nas costas”. Se em dias de chuva caminhar na cidade era difícil, sair de Rolândia era uma aventura, sem garantia de chegada, mesmo em trechos relativamente próximos. Para transitar na zona rural só usando carros com tração nas quatro rodas e correntes nos pneus para enfrentar a lama extremamente lisa. Nesta época, os melhores veículos para enfrentar o barro eram a Rural e o Jeep Willys. Onde havia estradas, tinha se a opção pelo uso de bicicletas, charretes, carroças, automóveis, caminhões, e em alguns lugares havia a opção por um tipo de ônibus aberto denominado jardineira. Porém, onde não havia estradas o deslocamento era feito no meio da picada, a pé ou a cavalo. A picada às vezes era interrompida por uma “pinguela” (pau que atravessa o riacho funcionando como uma ponte para pedestres). Em lugares onde haviam rios o transporte era feito com balsas o que acarretava “longas esperas”. O transporte ferroviário chegou em Rolândia 1936. No período de chuvas como o transporte era impraticável e a cidades ficava isolada, era difícil a busca de assistência médica em outras cidades. Esta dificuldade fez com que muitos pioneiros retornassem ao seu lugar de origem. Por esta razão foi muito importante a construção do primeiro hospital, o Hospital do Dr. Ciro. Depois vieram o Dr. Cabral, Dr. Xenofonte e Dr. Anatole entre outros. Além disso, com a falta de médicos, as benzedeiras, rezadeiras e curandeiros eram populares. Lamaçais intransponíveis na época das chuvas; poeira de cegar na época das secas, fumaça de asfixiar na época das queimadas …. estradas intransitáveis, falta de assistência médica, falta de energia elétrica e de outros confortos …. pessoas chegando de todas partes do Brasil e do mundo atraídas pelas terras baratas e férteis do Norte do Paraná …. . ROBERTO BARBOSA BAZOTE e JOSÉ CARLOS FARINA
Xenofonte Villanueva me informou que seu primo irmão, Lauro Xavier Müller foi o primeiro médico a se instalar em Rolandia. Tem mais informações sobre este fato. Agradeço. Meu e-mail: rltorres@terra.com.br
ResponderExcluir