Geada negra, que erradicou todo o plantio de café no Norte do PR, completa 40 anos hoje
Manhã gelada de 18 de julho de 1975 alterou em definitivo a economia, a geografia e a cultura do Paraná
Diego Antonelli E José Carlos Fernandes, Da Gazeta Do Povo - 18/07/2015
O ouro verde virou cinzas da noite para o dia. Um cheiro forte de café torrado tomou conta de toda Região Norte do Paraná. A Geada Negra não poupou ninguém e a manhã de 18 de julho de 1975 mudou para sempre a história do estado. As alterações na formação urbana e econômica são duas das marcas que permanecem quatro décadas após um dos maiores golpes sofridos nas lavouras paranaenses.
A soja assumiu a dianteira do mercado agrícola e a população rural teve uma redução de 60% em 40 anos – passando de 4,5 milhões de pessoas para 1,5 milhão. Cerca de 300 mil famílias de trabalhadores ficaram sem emprego. O prejuízo chegaria a 600 milhões de cruzeiros – na época esse valor equivalia a 75 milhões de dólares –, apenas nas lavouras de café.
Samuel Faustino Romero Sanches Filho, no galpão londrinense em que os apetrechos da lavoura cafeeira são mantidos intactos: não tem como falar do Norte do PR sem remeter aos tempos áureos do café (Crédito: Lineu Filho / Gazeta do Povo)
“Ninguém gosta de lembrar muito, não. Foi difícil para nossa região essa Geada Negra. A principal atividade agrícola era o café”, conta Samuel Faustino Romero Sanches Filho, que tinha 18 anos quando viu a cultura cafeeira iniciada ainda por seu avô, na década de 1940, ser completamente dizimada.
Ao olhar pela janela da fazenda em que morava, em Londrina, no Norte Novo, Samuel teve a ingrata surpresa de ver o chão todo coberto de gelo. “Com o passar do dia, a cor foi mudando e dois dias após foi sofrido ver a lavoura toda seca, queimada”. Estima-se que o frio alcançou a marca de 3,5° C negativos, no abrigo. Mais de 850 milhões de pés de café foram queimados – 80 mil na lavoura da família de Samuel.
Ao pisar no campo para conferir o prejuízo, o solo ruía tal qual um gelo rachando. Ao ver a situação dos pés de café, alguns trabalhadores e proprietários não seguraram as lágrimas. O desespero era inevitável. A cultura do café nunca mais se recuperaria de tamanho baque. Para quem plantava, era como ter a casa devastada.
Sem trabalho e sem renda, muitos produtores e trabalhadores rurais se viram com uma interrogação pairando sobre o futuro. O agricultor, também de Londrina, Antonio José Frangovic, hoje com 73 anos, lembra o desânimo que se abateu sobre a população. “Muitos foram embora para outros estados e cidades. Foram tentar a vida no comércio ou em outras culturas agrícolas”, conta. Além disso, a frustração provocada pela Geada Negra foi gigantesca. “Atrás dela veio muita fome, muita disputa, briga e discórdia”, relata.
O êxodo
Com base em dados censitários do IBGE, observa-se que somente durante a década de 1970, cerca de 1,2 milhão de pessoas deixaram o campo no Paraná. A Geada Negra acelerou o processo de êxodo rural – que vinha se desenhando desde a década de 1960.
Embora, o principal destino dessas pessoas tenha sido Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e o atual território do Tocantins, muitas foram tentar a vida nas áreas urbanas dentro do Paraná. Fato que implicou uma reconfiguração das cidades do estado. Curitiba, por exemplo.
“A maioria das cidades sofreu com um crescimento, muitas vezes desordenado, devido ao afluxo dos antigos trabalhadores ou colonos das fazendas. Muitos se tornaram volantes ou boias-frias”, explica o historiador e professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Roberto Bondarik. Segundo ele, cerca de 80 mil pequenas propriedades deixaram de existir no Paraná entre 1975 e 1985.
Quarenta anos depois, a zona cafeeira do Norte do estado ainda sente a falta do café. Mas não há mais remédio. Como diz o agricultor Samuel Sanches Filho, que logo após a geada se dedicou ao plantio exclusivo de soja, todos teriam que conviver com aquilo para sempre. “Não tinha outro jeito a não ser se restabelecer e procurar novos horizontes”.
Geada negra
A Geada Negra recebe esse nome porque queima as plantas por dentro, deixando-as com aparência escura. A baixa temperatura e o vento intenso causam o rápido congelamento da seiva. “O vento frio colabora para que a geada seja bastante intensa. Foi o caso. Uma geada como a de 1975 aniquilou toda a produção de café. Nesse caso, seria preciso esperar três anos até o café se recuperar. Quando ocorre uma geada dessas, o tronco queima até o nível solo. Mas depois o café brota”, explica o agrônomo Irineu Pozzobon.
Um século de cafezais
“Paraná do café” tem início em meados do século 19, no chamado “Norte Pioneiro”, estendendo-se até 1975, ano da Geada Negra que devassou cafezais
1860 – Primeiros registros do plantio do café no Paraná , então uma extensão da zona cafeeira paulista.
Década de 1920 – Norte Pioneiro se integra à economia paranaense. Porto de Paranaguá vai exportar 30 mil sacas.
1927 – Companhia de Terras Norte do Paraná compra meio milhão de alqueires e a revende a pequenos e médios agricultores. Região chegará a 26 mil lotes rurais.
Década de 1950 – População paranaense ultrapassa 2 milhões de habitantes. Apenas no Norte do Paraná, 100 mil famílias serão fixadas. Café ultrapassa a extração de madeira e o mate.
Década de 1960 – Modelo de concentração cafeeira começa a dar sinais de esgotamento – soja ganha espaço. Aumentam migrações para a cidade – capital passa de 300 mil para 600 mil habitantes.
17 de julho de 1975 – Neva em Curitiba. Jornais destacam a paisagem europeia da capital.
18 de julho de 1975 – Em Londrina, termômetros marcam -3,2° C. Geada Negra era um fato. Produção de café será reduzida a zero.
19 de julho de 1975 – Governador do Paraná, Jayme Canet Jr., decreta o fim da cafeicultura no Paraná. Êxodo do campo para a cidade vai atingir 2,5 milhões de pessoas no estado, durante aquela década. Perto de 300 mil lavradores ficam sem emprego
1976 – Início do Plano de Revigoramento dos Cafezais, com plantio de 130 milhões de novas covas e mais 50 milhões no ano seguinte, mas cultura não se recupera.
Ipardes; No tempo do Canet, (2015); Dennison de Oliveira (2001).
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