domingo, 6 de março de 2016

ROLÂNDIA: HISTÓRIA DOS PIONEIROS JAPONESES EM ROLÂNDIA

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Sadatoshi Imazu: o elo entre história e futuro



Aos 84 anos de idade, Imazu relembra as dificuldades que enfrentou como imigrante e fala sobre a preservação da cultura japonesa para as novas gerações



Foto: Monami Takaoka
Em 2016, Sadatoshi Imazu, 84, comemora sessenta anos bem sucedidos de sua oficina auto elétrica, em Rolândia. A clientela fiel, acostumada a ver o senhor “enrolando motor” (como ele mesmo diz) e falando um português de sotaque nipônico, não deve ter dúvidas de que este é um homem que gosta do que faz. E com razão: mesmo aos domingos, vez ou outra, o aposentado empresta algumas horas do dia para sujar as mãos de óleo.

Mas o que ainda não fica explícito para muitos é que Imazu éhistória viva da imigração japonesa no Brasil.

Imazu conta que veio para o Brasil em outubro de 1933, com um ano e oito meses de idade. A família de oito pessoas decidiu deixar a terra natal por incentivo do governo japonês, porque, durante as décadas de vinte e trinta, o Japão ainda enfrentava crise econômica e social.


Assim como tantos outros imigrantes que chegaram ao Brasil no século XX, a família do issei (pessoa que constitui primeira geração de família japonesa em terra estrangeira) passou a integrar a mão-de-obra das lavouras cafeeiras paulistas. Foi apenas em 1940 que eles chegaram ao Paraná. Em junho desse ano, vieram para Pirianito, local ainda não reconhecido como município. Após a Segunda Guerra Mundial, essa mesma região mudaria o nome para Uraí.


Estátua dos Imigrantes no Museu Agrícola da Colonização do Paraná, em Rolândia. 
Foto: Monami Takaoka




Durante todo esse período, Imazu se lembra nitidamente dos desafios que teve de enfrentar como estrangeiro. Entre as principais dificuldades no processo de adaptação, estavam os problemas de comunicação, a miséria e o preconceito.


Interior da réplica de uma típica moradia imigrante do século XX. O local é aberto à visitação no Museu Agrícola da Colonização do Paraná, em Rolândia. Foto: Monami Takaoka.



Interior da réplica de uma típica moradia imigrante do século XX. O local é aberto à visitação no Museu Agrícola da Colonização do Paraná, em Rolândia. Foto: Monami Takaoka



E esses problemas se agravaram durante a Segunda Guerra Mundial. Entre 1939 e 1945, os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) estiveram em guerra contra os países Aliados (Estados Unidos, União Soviética e Reino Unido). Em 1942, sob governo de Getúlio Vargas, o Brasil declarou guerra contra o Eixo devido a ataques a embarcações brasileiras, atribuídos à Alemanha. A partir dessa decisão, os consulados japoneses no Brasil foram fechados. E o cerceamento à liberdade desses imigrantes se acirrou: proibiu-se toda comunicação em língua japonesa – tanto na convivência cotidiana, quanto nos meios impressos e radiofônicos. Quaisquer reuniões e concentrações de japoneses só podiam ser realizadas na cladestinidade.
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Imazu recorda que esse foi um período especialmente difícil. Ele, que não falava português até os sete anos de idade, revela que o preconceito era presente, inclusive, entre as crianças. Na Escola Mista de Pirianito, onde estudou até o 3º ano, era alvo de xingamentos, aos quais não podia reagir porque corria o risco de sofrer represálias ainda piores - a família podia até ser chamada na delegacia. Diploma não tem, porque fora proibido para estrangeiros. Ele se lembra também de que, várias vezes, seu pai saía para fazer compras e voltava para casa dias depois. As prisões arbitrárias e o confisco de bens eram correntes à época. Imazu destaca, ainda, que não apenas os japoneses, mas os italianos e alemães também sofreram perseguição nesse período. “Guerra deixa todo mundo louco”, diz.


Atualmente, Imazu acredita que o preconceito não existe mais. Entre os motivos que explicam a integração dos japoneses à sociedade brasileira, ele cita como exemplo os casamentos de nikkeiscom outras etnias.


A preocupação, agora, é com a preservação da cultura japonesa. “Costume bom não pode perder, tem que preservar”, salienta.


Sadatoshi Imazu, 84, com sua esposa, Miyoko Imazu, 79. Na oficina em que foi aprendiz, Sadatoshi foi apelidado de "Pedro", porque o nome japonês era muito complicado. A Auto Elétrica Imazu, de que é proprietário, existe desde 1956 no mesmo endereço. Foto: Monami Takaoka.

Museu Agrícola da Colonização do Paraná: 
pela conscientização das novas gerações




Foto: Monami Takaoka



Também conhecido como “Museu japonês de Rolândia”, o Museu Agrícola da Colonização do Paraná é um espaço de preservação dos costumes da colônia japonesa e um meio de manter vínculos com os imigrantes.




"Kaitaku Jinja": santuário xintoísta no Museu Japonês, em Rolândia. 
Foto: Monami Takaoka



A construção, planejada desde 1975, localiza-se no km 5 da estrada Rolândia/Pitangueiras. Ao longo dos quase quarenta anos de existência, figuras de renome passaram pelo local. Em 1978, na inauguração de parte do museu, o príncipe herdeiro Naruhito, do Japão, e Ernesto Geisel, presidente do Brasil à época, estiveram presentes. E, a cada dez anos, em comemoração à chegada dos imigrantes ao solo brasileiro, o museu tem recebido membros dos governos brasileiro e japonês. Entre eles, o ex-presidente José Sarney (1985-1990), o ex-vice-presidente José Alencar (2003-2010) e o príncipe japonês Akishino (segundo na linha de sucessão ao Trono do Crisântemo do Japão).


→ Mais recentemente, em outubro de 2015, o casal imperial japonês, príncipe Akishino e princesa Kiko, visitaram Rolândia e outras cidades no país, para celebração dos 120 anos do Tratado de Amizade entre Brasil e Japão.



Mas toda essa atenção recebida do governo fica restrita às datas comemorativas. Em todos os outros dias, o museu fica sob tutela de um pequeno grupo de pessoas. 

Uma delas é Sadatoshi Imazu, 84. Morador de Rolândia há mais de sessenta anos, o imigrante é responsável pela parte administrativa e pelas visitas guiadas. O restante da equipe é composto por dois funcionários que realizam serviços de manutenção, como corte da grama e limpeza. 

Sadatoshi Imazu, 84, cuida do Museu Japonês há mais de 30 anos. Foto: Monami Takaoka



O terreno, inicialmente de 32 hectares, foi doado pelo município à Aliança Cultura Brasil-Japão do Paraná. Mas o museu sempre foi mantido pela colônia japonesa, que banca 90% das despesas. Os outros 10% provêm de eventos realizados no local. Até o ano de 2008, Imazu conta que pôde cultivar uma pequena lavoura, cujos produtos davam conta de parte considerável dos gastos. Atualmente, essa área de cultivo é propriedade da Prefeitura Municipal de Rolândia.


Interior do Museu Japonês de Rolândia. Foto: Monami Takaoka


Objetos em exposição no Museu Japonês de Rolândia. Foto: Monami Takaoka



Entre os problemas enfrentados, Imazu ressalta a questão do público frequentador. Por trinta anos, ele esteve diariamente no museu. Mas, nos últimos quatro anos, a presença de usuários de drogas no local tem causado problemas. É por isso que, hoje, as visitas devem ser agendadas e o museu não fica aberto em tempo integral. Imazu contabiliza cerca de mil visitantes por ano, sendo a maioria crianças em visitas escolares – que não pagam entrada. Aos pagantes, o valor é de dois reais.


No dia 7 de novembro de 2011, Sadatoshi Imazu,84, recebeu o Título de Cidadão Honorário de Rolândia, pelos serviços prestados ao município. Foto: Monami Takaoka



Foto: Monami Takaoka

Imazu afirma que realiza esse trabalho de preservação para que as gerações mais novas não se esqueçam da história. Ele conta, por exemplo, que Rolândia costumava ser chamada de “rainha de café”, mas que, atualmente, apenas cinco ou seis famílias ainda mantêm sítio. Houve uma época, ele se lembra, em que a cidade era tomada por nuvens de poeira de café.


Todos os anos, próximo ao dia 18 de junho, o museu realiza a Missa do Pioneiro, em memória aos primeiros imigrantes que atracaram no porto de Santos. 
“Para nós, é um dia que não pode esquecer”, diz.

→ Em 18/06/1908, o navio Kasato Maru chegou ao Brasil trazendo os primeiros imigrantes japoneses.


* Esse post inaugura a série "Cultura Japonesa: um fotodocumentário" e foi adaptado de um trabalho produzido para a disciplina de Fotojornalismo da UEL.



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