quinta-feira, 25 de abril de 2013

JUDEUS EM ROLÂNDIA - PRESSÃO PSICOLÓGICA DURANTE A GUERRA



Reprodução
Agathe Kroch, Mestre em Física pela Universidade de Munique, integrava a equipe de Albert Eeinstein na Universidade de Princeton, nos Eestados Unidos, antes de se ir morar em Rolândia

Lucius de Mello 

As famílias judias não sofreram nenhum tipo de violência física dos vizinhos nazistas em Rolândia, mas tiveram de suportar a imagem da suástica flamulando na colônia, além de algumas agressões verbais e preconceituosas. "Os senhores imaginem, meus amigos, o susto que levei logo que desembarquei em Rolândia", disse Vagner Volk para Samuel Naumann e Justin Kroch. Os três refugiados judeus tinham ido juntos à cidade comprar alimentos, lamparinas e insumos agrícolas na Casa Guilherme. Doutor Weber, dono da loja, também participava da conversa. Mais uma vez, Vagner Volk repetia o que lhe aconteceu no primeiro dia em que pisou em Rolândia, em novembro de 1935. Contou que no trajeto até o hotel, ele e a família tiveram de passar bem na frente da Escola Alemã e viram o culto nazista realizado pela turma de Oswald Nixdorf. A suástica imponente, hasteada e sendo adorada por todos ali, os gritos de Heil Hitler! "Imaginem vocês, eu vendo e ouvindo tudo aquilo acontecendo aqui na selva brasileira, a milhares de quilômetros de distância da Alemanha. Meus amigos, esse pobre judeu aqui quase enfartou. O mundo todo está virando nazista, pensei. Eles estão por toda parte! Será que de nada adiantou fugir da Alemanha?", indagou Volk.
Se não bastasse a presença dos nazistas, os refugiados judeus também tiveram de suportar o patrulhamento rigoroso que a Polícia Política fazia nas fazendas. Foi por meio do rádio que ficaram sabendo que o governo brasileiro rompeu relações com os países do Eixo e declarou oficialmente guerra contra a Alemanha, Itália e Japão. Esse aparelho de rádio, no caso, foi o único da colônia que não foi levado pelos homens de Getúlio Vargas. Ele pertencia ao judeu Justin Kroch. Isso aconteceu porque ele não era alemão, e sim polonês. Toda a comunidade semita da região ia ouvir as notícias da guerra na fazenda dos Kroch. Ficavam horas a fio ligados na programação da rádio BBC de Londres, que eles conseguiam sintonizar.
O Fim da Segunda Guerra
A situação piorou quando os policiais quiseram apurar a denúncia de que os imigrantes guardavam caixas com armamentos e munição. Muitos judeus abriram imensos buracos na terra vermelha para esconder armas, objetos e bibliotecas inteiras dentro de caixas de madeira. Todos os livros escritos em alemão que a polícia encontrava eram apreendidos e queimados. Os judeus só podiam sair de Rolândia se portassem um documento chamado salvo-conduto, expedido pela polícia do Paraná. A cada viagem, a autorização precisava ser renovada. Algumas famílias judias tiveram suas correspondências violadas por ordem do comando do Exército Brasileiro.
Em Rolândia, durante a Segunda Guerra, a polícia e os imigrantes contavam os prejuízos. Principalmente nos últimos momentos do conflito, as pessoas consideradas súditas do Eixo sofreram violência aqui no Brasil. Com raiva da Alemanha, os brasileiros invadiram lares, quebraram portas, janelas, saquearam casas e lojas que pertenciam aos alemães. Bateram e apedrejaram em quem ousava sair às ruas.

Com o fim da guerra, a paz voltou a reinar em Rolândia e os imigrantes puderam levar uma vida mais tranquila. Hoje, todos os refugiados judeus que chegaram adultos naquela época já estão mortos. Os que vieram para cá jovens e crianças, já são idosos, mas guardam o passado vivo na memória. A maioria deixou a cidade paranaense para viver principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Santos, Curitiba, Estados Unidos e Europa. Mas há quem tenha criado raízes na terra vermelha e que não deseja deixar Rolândia. Refugiados que permaneceram nas fazendas, morando na mesma casa de madeira, grande e acolhedora. É o caso da senhora Inge Rosenthal, a única refugiada de Rolândia que foi salva pelo Kindertransport (missão de resgate que salvou a vida de milhares de crianças judias que foram levadas para a Inglaterra), quando ainda era menina.
Dona Inge criou os filhos e hoje, viúva, vive sozinha na fazenda, cercada de livros, um lindo jardim, beija-flores e muitas lembranças. Assim como na maioria das residências das famílias judias, a de dona Inge também continua com a mezuzah (pergaminho que contém passagens do Torá) na ombreira da porta principal. E dentro da pequena cápsula de metal, o velho pedaço de pergaminho enrolado mantém intacto um trecho, em hebraico, do quinto livro de Moisés: "Amarás o eterno seu Deus de todo coração e com toda sua alma". É um sinal de que a religiosidade dos refugiados judeus de Rolândia foi mais forte do que os ventos implacáveis da travessia e violência que eles enfrentaram.
Nota Com exceção de Erich Koch-Weser, Johannes Schauff, Agathe e Elisabeth Kroch, Oswald Nixdorf e Inge Rosenthal, os refugiados citados nesta matéria foram mantidos com os mesmos nomes fictícios, a pedido dos familiares, que aparecem no livro A Travessia da terra vermelha - uma saga dos refugiados judeus no Brasil.
Lucius de Mello é jornalista, pesquisador do LEER/USP (Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação da Universidade de São Paulo) e autor do livro A travessia da terra vermelha - uma saga dos refugiados judeus no Brasil (Ed. Novo Século).

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